EXPRESSO DAS ILHAS - Para a ilha de Chiquinho, 2009 foi o ano em que as chuvas invadiram Ribeira Brava e causaram a morte de três pessoas. Estradas destruídas, casas danificadas e terrenos agrícolas devastados formam o rasto das piores inundações dos últimos 25 anos.
Ao contrário do que era previsto pelos meteorologistas, 2009 foi um ano de forte precipitação em praticamente todas as ilhas. Mas em São Nicolau "a chuva já não é bem-vinda", resumiu, no final de Setembro, o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava, Américo Nascimento.
Afinal, as águas tão esperadas deixaram a população da ilha sem energia eléctrica e água potável durante vários dias. E, no interior de São Nicolau, em Covoada, uma mãe e dois filhos morreram soterrados.
Os problemas começaram logo no dia 16 de Setembro, com a água a invadir por completo as ruas da Vila de Ribeira Brava. A emblemática Praça Cónego Bouças, em frente ao edifício dos Paços do Concelho, foi totalmente soterrada pelas enxurradas.
A grande maioria das estradas de São Nicolau ficou logo interrompida e muitas pessoas tiveram de ser retiradas das suas casas. Em Morro Homem, no vale de Fajã, ficaram mesmo desalojadas e tiveram de ser realojadas em casas construídas pela autarquia. Além disso, as antenas de telecomunicações ficaram seriamente danificadas, deixando a ilha sem rede de telemóvel e sem sinal de rádio durante alguns dias.
Com o abrandar das chuvas, começaram as primeiras tentativas de voltar a normalidade, mas também os primeiros pedidos de apoio por parte dos presidentes das duas Câmaras Municipais, que falavam de uma situação de catástrofe. No dia 18, chegaram a São Nicolau, vindos de São Vicente, 40 militares, para reforçar a Protecção Civil. Contudo, o pior da tempestade só aconteceu no dia seguinte. Os habitantes garantem mesmo que já não chovia assim na ilha desde as cheias de 1984, há 25 anos.
E a tragédia chegou à localidade de Covoada. Um deslizamento de terras soterrou totalmente uma casa onde morava uma família de cinco pessoas. O marido ainda foi resgatado de entre lama e pedras, apenas com ferimentos ligeiros. No entanto, três pessoas morreram - a esposa, com cerca de 30 anos e os dois filhos, de quatro e 10 anos.
"Estragos
avultadíssimos"
Três meses depois, é ainda impossível contabilizar os danos causados pelo mau tempo. Além do concelho de Ribeira Brava, também no município vizinho do Tarrafal houve "estragos avultadíssimos", sublinha ao Expresso das Ilhas o presidente da Câmara Municipal.
Segundo António Lopes Soares, as zonas mais afectadas foram Fragata, Praia Branca e Ribeira Prata. Nesta última, a mini-barragem ficou totalmente assoreada, mas o autarca lembra que os trabalhos só podem começar quando os acessos rodoviários estiverem totalmente restabelecidos. "Vai ser necessário um investimento de peso", refere.
Por outro lado, as águas "varreram" o palco construído para o tradicional Festival de Água Doce, em Ribeira Prata. E, claro, lembra Soares, há muitos agricultores cujos terreno de cultivo ficaram completamente destruídos.
Na vila de Ribeira Brava, a pior situação vive-se na parte oeste da Ladeira da Igreja. O mau tempo de Setembro deixou as habitações já construídas na zona em "extremo risco", sublinhou Américo Nascimento. O presidente da Câmara Municipal prometeu tentar encontrar, em conjunto com os moradores, uma solução para o seu realojamento.
"Ilha está muito
exposta"
Mas o balanço dos estragos pode não ficar por aqui, alerta Nélson Brito, deputado nacional eleito pelo MpD em São Nicolau. Muitos agricultores ficaram "sem qualquer alternativa" após a perda dos seus campos, refere. Além disso, acrescenta, o Orçamento de Estado para 2010 "tem poucas provisões para fazer face aos estragos", nomeadamente nas estradas.
Para o também vice-presidente da JpD, a destruição das correcções torrenciais e diques que já tinham sido construídos é "um problema grave". "A ilha está muito exposta e agora qualquer chuva pode causar grandes estragos", avisa Brito. Um perigo que deixa os possíveis investidores e mesmo os habitantes que pretendem construir casa própria "sem quaisquer garantias", lamenta.
Ainda assim, a chuva não trouxe apenas efeitos negativos. Afinal, lembra António Lopes Soares, as águas serviram pelo menos para abastecer os lençóis freáticos de São Nicolau. Também Mário Tolentino, dirigente do PAICV, confirma que "houve várias nascentes que ressurgiram" e a ilha tem agora "muito pasto" para os animais. No entanto, admite que "a produção agrícola não correspondeu às expectativas", devido aos "danos avultados" nos terrenos mais férteis.
"Fuga" de população
Para além das chuvas, o último Inquérito Empresarial, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística revelou que São Nicolau foi a única região a registar, entre 2002 e 2007, uma diminuição do número de empresas no activo. Enquanto no total do país as firmas em funcionamento aumentaram 32 por cento, nesta ilha sentiu-se uma queda de cerca de 18 por cento.
Números que preocupam Nélson Brito. Para o deputado, os dados reflectem não apenas uma questão económica, mas uma verdadeira "fuga" de população para outras ilhas, "especialmente jovens, com força produtiva e capacidades". Segundo ele, o número de habitação de São Nicolau caiu "quase 10 por cento" nos últimos anos.
O desenvolvimento da economia da ilha não é facilitada, acrescenta o dirigente da JpD, pelo "gravíssimo problema de transportes, especialmente a ligação marítima com o Sal". Além de ser uma rota "histórica", a ilha do aeroporto é "o principal mercado" para os produtos agrícolas de São Nicolau.
Também a fraca frequência de voos "condiciona negativamente o investimento e o turismo", lamenta Brito. "Há poucos voos, muitos são cancelados, os lugares não chegam os bilhetes são muito caros. Na prática, nenhuma pessoa consegue realmente ir e voltar de São Nicolau quando quer", critica.
2-1-2010, 13:30:09
VQ, Expresso das Ilhas
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